Ultimamente, a busca por uma boa aparência têm sido algo comum entre as pessoas mais jovens, possivelmente motivadas pelos padrões que as mídias sociais apresentam. A aceitação social passou a ser algo importante para a maioria das pessoas e na Odontologia, o reflexo disso está ligado na demanda de procedimentos estéticos orofaciais.
O surgimento das mídias sociais, permitiu o compartilhamento de fotos e vídeos de maneira gratuita na internet. Quem acessa a mesma plataforma, pode interagir com o autor da publicação por mensagens diretas, comentários ou curtidas. Na Odontologia, teoricamente, essa é uma incrível ferramenta que aproxima o contato entre colegas de profissão e pacientes.
No que diz respeito a essas interações, tais como, publicações informativas, dicas, técnicas e sequencias passo a passo de casos clínicos, são vistos como excelentes meios de divulgação de conteúdo. Entretanto, o dentista que se submete à exposição para o público, deve ser cauteloso em relação ao seu posicionamento. Pois, apesar dos vários benefícios, o uso das redes sociais para odontologia também pode ser um tiro no próprio pé. Ao passo que, casos bem executados, documentados e postados servem de inspiração para outros profissionais, o impacto negativo das publicações também é observado. A falta de honestidade com o que é postado, e a realidade, frustra dentistas que acham não exercerem a odontologia que é vista, e ilude pacientes com fotos tendenciosas.
Nesse cenário, são observadas diversas práticas antiéticas por parte dos profissionais. Vários dentistas, não educam o paciente em relação ao custo biológico dos procedimentos, a menção dos desgastes não é clara e sua divulgação muito menos. Assim, publicações de antes e depois dão a ilusão de que o procedimento não é algo individual que varia de paciente pra paciente e sim uma receita de bolo.
Em meio a tanta conduta equivocada, o absurdo não acaba por aí. É comum ver anúncios de profissionais com pouca experiencia clínica, mas com certo conhecimento em vendas, ensinando como ‘’aumentar o faturamento’’ ou ‘’como aumentar o número de clientes’’. O que parece não fazer sentido, pois um serviço de prestação de saúde, deve ter o foco principal no lado humano da coisa.
Segundo Kelleher e Djemal ‘’a odontologia cosmética não é como um ticket para felicidade, nem para o paciente nem para o dentista, mas pode ser para o advogado’’. Com esse comentário, o autor fez referência as promessas ilusórias que são ditas, tais como: ‘’desenvolvi um método que as facetas não mancham e duram para sempre’’. O que o dentista não espera, é que quando algo acontece diferente das falsas promessas que foram ditas ao paciente, esse, fica extremamente desiludido, e em alguns casos procura resolver esse tipo de problema de forma judicial. Inflamação gengival, sensibilidade pós operatória e o esclarecimento de que nenhum trabalho é permanente, ‘’não podem’’ ser assuntos abordados antes do ‘’fechamento da venda’’.
Por outro lado, nem sempre a culpa é do dentista, é necessário que o profissional esteja preparado para saber manejar as expectativas dos diferentes tipos de pacientes que chegam ao seu consultório buscando por melhoras estéticas. Se perguntarmos para dez pessoas, o que é ter um sorriso bonito, provavelmente, a diferença nas opiniões será grande.
Somado a dificuldade de entender os quereres do paciente, outros problemas são levantados. Afetando cerca de 2% da população, o Transtorno Dismórfico Corporal, é uma condição psiquiátrica que caracteriza o indivíduo com uma intensa preocupação quanto a um “defeito imaginário ou mínimo” em sua aparência, levando a sofrimento clinicamente significativo 5. Outa complicação, é como as redes sociais influenciam de maneira intensa o desejo. Existem pessoas com o sorriso ‘’bonito’’, que buscam tratamentos simplesmente porque algum famoso fez. Nós, como dentistas, devemos saber educar esses pacientes para que futuras complicações com expectativas irreais não aconteçam.
Uma abordagem ética, moral e humanizada é o mínimo que se espera de um profissional da saúde. Para que isso ocorra com êxito é imprescindível que o dentista siga todos os pontos abaixo sugeridos:
- Conscientizar o paciente sobre o ciclo restaurador, e suas possíveis desvantagens e riscos, visto que é um procedimento irreversível, com certo custo biológico;
- A documentação, com um termo de consentimento livre e esclarecido, para o paciente assinar concordando com toda explicação do que será feito, e poder opinar nas decisões, além do resguardo do profissional perante algum detalhe que não saia com planejado;
- Documentação fotográfica do estado inicial do paciente, e de todas etapas subsequentes do tratamento;
- Apresentar ao paciente todas as possibilidades de tratamento, para que individualização seja feita, e não a padronização de procedimentos.
Assim clareamento, recontornos em resina composta e tratamento ortodôntico, devem ser propostos como alternativas estéticas.
O tratamento cosmético feito de forma impudente acarreta inúmeras consequências. A perda biológica irreparável é a principal delas, depois que um tratamento cosmético eletivo é realizado, o dente do paciente dá início ao ciclo restaurador, que tem como fim a perda do dente. Sobretudo quando negligenciados protocolos científicos e técnicos. Sobre o ponto de vista ético, é uma aberração não conscientizar o paciente sobre todas consequências e alternativas de tratamento, e tentar engana-lo com a divulgação de fotos e vídeos tendenciosos.
O resultado disso tudo, em um grande número de casos, não está sendo interessante para nenhuma das partes. Pacientes estão sendo mutilados por profissionais que são facilmente persuadidos por um suposto dentista de sucesso. Publicações tendenciosas mostrando resultados financeiros obtidos, geram uma certa confusão a respeito do que é sucesso profissional. Isso afeta, principalmente quem ainda não tem estabelecido, o que é ser um dentista bem sucedido. Apesar de não existir um padrão ou consenso geral do que seria sucesso profissional, a ostentação de bens materiais em redes sociais, está longe de ser essa provação.
E como fazer isso tudo diferente? Algumas sugestões possíveis, para pacientes e profissionais:
O paciente deveria procurar um profissional por sua competência, e não pela ”fama”; O dentista deve focar na promoção de saúde acima de tudo; O atendimento deve ser humanizado e individualizado; Conhecimento técnico cientifico adequado; Conscientização do paciente sobre os prós e contras do tratamento; Apresentar alternativas restauradoras menos invasivas.
Seguimos otimistas e tentando enxergar a luz no fundo do túnel! Precisamos falar mais sobre isso!
PIEROLI, D.A; GONÇALVES, H. G.; LIMA, M.S
REFERÊNCIAS
1. Blatz MB, Chiche G, Bahat O, Roblee R, Coachman C, Heymann HO. Evolution of Aesthetic Dentistry. J Dent Res. 2019 Nov;98(12):1294-1304.
2. Caldas Junior Ade F, Silveira RC, Marcenes W. The impact of restorative treatment on tooth loss prevention. Pesqui Odontol Bras. 2003; 17(2):166-170.
3. Gilbert JA. Ethics and esthetics. J Am Dent Assoc. 1988 Sep;117(3):490
4. Goldstein RE. Study of need for esthetics in dentistry. J Prosthet Dent. 1969 Jun;21(6):589-98.
5. Hardardottir H, Hauksdottir A, Bjornsson AS. [Body dysmorphic disorder: Symptoms, prevalence, assessment and treatment]. Laeknabladid. 2019 Mar;105(3):125-131. Icelandic.
6. Hirata R, Sampaio CS, de Andrade OS, Kina S, Goldstein RE, Ritter AV. Quo vadis, esthetic dentistry? Ceramic veneers and overtreatment—A cautionary tale. J Esthet Restor Dent. 2022;34(1):7-14.